ANÁLISE DO FILME “REI ARTHUR: A LENDA DA ESPADA”
- Lincol Pedro Drosdek
- 18 de ago.
- 8 min de leitura
Alerta de spoiler. É importante ressaltar que este artigo fala acerca de várias cenas do filme, portanto, sugere-se que o estudante assista o longa-metragem, posteriormente leia este artigo e então reassista-o para capturar nuances mais profundas dele.
Alerta de liberdade criativa e poética: não buscamos nesta análise averiguar a veracidade da história, bem como, a liberdade criativa e poética que o diretor do filme tomou, mas sim, estudar a história que se apresenta no longa-metragem. Cabe a nós, estudantes gnósticos, extrairmos da 7ª arte, o cinema, conteúdos importantes para nosso Autoconhecimento, através dos estudos simbólicos que os filmes nos apresentam. A lenda do rei Arthur tem vários contos e facetas e como dito, não nos cabe ir em busca da veracidade, mas sim, analisar o Mito do Herói que o mesmo nos traz no filme.
Quando estudamos um filme sob o olhar da Gnose, que é a Ciência do Autoconhecimento, torna-se importante analisar todos os personagens como se fossem partes e contrapartes do protagonista, neste caso, Arthur. Em outras palavras e em específico neste filme, iremos nos deparar com vários personagens, os quais representam os diferentes aspectos da psique do protagonista — forças internas que ora auxiliam, ora sabotam o processo em busca do Ser. Cada um deles pode ser interpretado como um símbolo arquetípico: fragmentos da alma, sombras, potenciais adormecidos ou desafios atrelados à eliminação do ego.
Desta maneira, o filme tem início dentro do seguinte contexto:
“Durante séculos, homens e magos conviveram lado a lado em paz, até o aparecimento do feiticeiro Mordred, direcionando sua ambição maligna contra o homem, ele marcha em direção à última fortaleza: Camelot.”
A primeira parte do filme, retrata a Ancestralidade de Arthur, destacada em seu pai Uther Pendragon, o qual derrota o bruxo Mordred. Contudo, mais tarde, é traído e morto por seu próprio irmão Vortigern, aliado antigo e secreto do referido bruxo. Num drama épico e atrelado ao Mito do Herói, Arthur perde sua mãe e seu pai, mortos na mesma noite por Vortigern. Ele, ainda criança, escapa num bote, onde mais tarde é encontrado por meretrizes que estavam à beira de um rio, que resgatam Arthur e o levam para morar com elas.

Apenas este início já nos traz grandes reflexões, a começar pela história da queda dos pais de Arthur, pelas mãos de Vortigern. A mãe é ferida mortalmente pela lança e o pai pela foice do irmão, o qual tem seu derradeiro fim lançando sua espada ao alto e a cravando em suas costas. No filme há algo que não é relatado, mas que é válido trazer para contextualizar o início da história: Arthur é concebido como fruto de uma traição, pois sua mãe tinha outro marido. Isso retrata o próprio passado do protagonista, pois lembremos que dentro da Lei de Ação e Reação, os pais que temos representam nosso próprio passado, nossas existências anteriores. Sendo assim, a morte dos pais de Arthur, retratam a própria queda sexual deles e do protagonista.
Ao ser criado dentro de um prostíbulo, temos clara alusão da sua queda e isto nos lembra a história do filho pródigo, que toma sua herança (sua energia sexual-vital) e a gasta no mundo, indo parar na sarjeta, enquanto seu tio (o ego) domina o trono, que é seu por direito, porém, para reavê-lo é necessário ter mérito para tal.
Já no início do filme temos um paralelo da infância e crescimento de Arthur versus o crescimento em poder e perversão de seu tio, Vortigern, que está no comando do trono (a mente). Como ambos são o mesmo personagem em aspectos diferentes, notamos desde cedo que conforme cresce a arrogância e a sede de poder de Arthur ao viver nas ruas, este robustece seu ego (Vortigern).
Eis que a história traz uma nova tônica: o mar recua e traz à tona a espada de Pendragon, cravada em uma pedra, ou seja, o passado bate à porta de Arthur e Vortigern e traz à superfície aquilo que precisa de resolução, de síntese. O inconsciente sempre traz a superfície os conteúdos reprimidos a serem trabalhados, ou seja, acolhidos, analisados e sintetizados.

A espada cravada na pedra (nas costas do pai) é a própria energia sexual que está encerrada, guardada e que precisa da força do herdeiro legítimo (o Cristo) para que possa manejá-la. O ego é filho do homem primitivo que vemos hoje, o homem inconsciente, o homem infrator das Leis Cósmicas e pecador. O Legítimo Filho de Deus é o Cristo, o único capaz de realizar dentro de nós o Drama Cósmico do Mito do Herói.
Vortigern, desconcertado com o fato de o mar recuar, baixa aos infernos internos para conversar com o demônio que alimenta (a luxúria) em busca de explicações e mais energia. O demônio com vários tentáculos e três cabeças nos lembra os Três Traidores do Cristo: Judas, Caifás e Pilatos, que seduzem o ego que tem sede de poder e exige dele sacrifícios se quer poder – “conhece o preço!” – Vortigern, então, seguindo sua sina de matar o legítimo rei, remetendo a história do Rei Herodes, convoca todos os jovens para que sejam levados até à espada e tentem a retirar da pedra.

Como a Lei é implacável e trata de nos colocar frente à frente com nosso passado, a fim de resolvê-lo (ou repeti-lo quando não há Consciência), faz com que Arthur seja levado até a espada e ao tocar nela, sente a energia da mesma, retirando-a da pedra com muita facilidade, porém, por não ter domínio sobre a energia sexual, acaba por desmaiar, então é preso e visitado por seu tio na prisão, que o coloca à par da sua história e ancestralidade, trazendo, por fim, sua sentença: a morte diante do público que aguardava a vinda do legítimo herdeiro do trono.

Mas, tanto Arthur, quanto Vortigern não esperavam que houvesse alguém que sabia de todos os planos para execução do legítimo Rei: a Maga, representação da Mãe e da Mulher em seus distintos aspectos. No filme, a misteriosa figura da Maga surge num momento providencial, para salvar Arthur da morte iminente, nos recordando nossa Mãe Divina, que ampara a todos que buscam por seu auxílio. Além disso, há momentos que vemos outros aspectos da Maga, mesmo que nas entrelinhas, como sendo a esposa de Arthur, porém, isso só é perceptível quando anelamos estes estudos à Magia Sexual, ao trabalho com o Fogo Sagrado.

Todo homem, no fundo, precisa fazer as pazes com sua Mãe Primordial, com seu aspecto feminino. E isto acontece primordialmente quando transmuta suas energias sexuais com sua esposa-sacerdotisa, sem esquecer da eliminação dos pensamentos (sempre com o auxílio da Mãe Divina) e a doação do seu saber à humanidade.
A Maga, ao salvar Arthur da morte, o coloca frente a frente consigo mesmo no que foi chamado no filme de “terras sombrias”, alusão ao inconsciente. Tanto que ela mesma diz que precisam acabar com o ego dele. Arthur, por sua vez, enfrenta vários bichos nas terras sombrias, representações simbólicas dos nossos defeitos e então, por fim, se depara com uma cena que lhe assombrava nos sonhos: a morte de seus pais pelas mãos de seu tio. É válido ressaltar que em algum momento é salvo por uma grande serpente, alusão tanto à questão sexual da Magia Branca, quanto, da nossa Mãe Divina.

Ao retornar desta experiência, ele decide enfrentar seu tio. Eis então o precioso momento que da mesma forma como Arthur coloca-se a enfrentar seu tio, da mesma forma é o estudante sério de Gnose que se vê diante de seus egos e decide, com garra, enfrentá-los.
Porém, há que se fazer uma distinção importante: por várias vezes vemos cenas de luta no filme e isto não quer dizer que temos que guerrear com o ego, muito menos com as pessoas ao nosso redor. No contexto do cinema atrelado aos estudos gnósticos, quando nos deparamos com o personagem principal que “luta com seus inimigos”, devemos ter clareza e consciência de que o homem e a mulher que buscam a Seidade, devem ser duros com seus egos e não com o mundo. Como dizia o VM Samael “devemos ser como limões para nós mesmos”, no sentido de que para a eliminação do ego, passamos por inúmeras crises, mal-estares, dores e renúncias. O ego precisa morrer para que o Cristo nasça dentro de nós, porém, ele não quer simplesmente deixar o trono, deixar seus ganhos egóicos.
Em certa altura de sua busca por vencer seu tio, usurpador do trono, diante de perdas e tropeços, vemos Arthur lançando sua espada ao mar, demonstrando sua queda ao longo da jornada. Queda esta, à qual está sujeito todo caminhante da Senda da Autorrealização Íntima do Ser. Todavia, registro mais uma frase célebre de nosso querido Mestre Samael: “Não são as perdas nem as quedas que podem fazer fracassar nossas vidas, senão a falta de coragem para levantar e seguir em frente.”
Arthur, mesmo diante de um grande desejo de desistir de sua jornada, é alertado pela Dama do Lago, outra representação de nossa Mãe Divina, de que se abandonasse o Caminho, todo o mundo (sua mente) iria sofrer. Então, devolve a espada o convocando a seguir firme em sua jornada.

Por falar em espada, que nos remete ao tema do Arcano, vemos nas cenas conseguintes, a Maga e Arthur juntos em uma cena simbólica onde ele é picado pela serpente e passa a ter visão clara daquilo que está à sua frente. Para derrotar o ego, se torna imprescindível trabalhar com a Serpente, a Divina Mãe Kundalini. A cena breve de ambos sozinhos e a conexão com a serpente, nos remete também à temática da transmutação, base de nosso trabalho interno.

Tanto que somente após isto é que de fato ele consegue enfrentar em definitivo seu tio. Por falar nele, vemos um aspecto negro da questão sexual com Vortigern. No filme, por duas vezes ele sacrifica mulheres para o demônio luxurioso. A primeira é sua esposa e, ao final, sua filha. Nas entrelinhas podemos perceber a queda sexual de Vortigern, pois o ato de matar elas, nos mostram algo ainda mais assombroso, que é o ato sexual atrelado à magia negra, o sacrifício de sua própria família, sua energia para fins monstruosos. Típico do ego que busca tão somente o poder, sem se importar com as Leis.

Ao final, Arthur e Vortigern se encontram para a derradeira batalha, na qual simbolicamente ele “salva” o pai, ou seja, salva a si mesmo e então derrota o tio, dizendo o seguinte a ele:
Você queria saber o que tanto me motivava. Era você! Você me colocou naquele bordel. Você me fez crescer nas ruas. E eu estou aqui agora, por sua causa. Você me fez ser assim e por isso eu lhe agradeço. Faça as pazes com o diabo!

Este discurso, que pode soar um tanto quanto estranho, nos remete ao fato de que pelo fato de termos tido nossas existências guiados pelo ego e seus desejos, quando nos propomos à busca pelo Ser, são justamente todas as criações realizadas pelos egos, que servirão de lenha para fogueira, pois ao fazermos as pazes com o diabo, isso quer dizer que paramos de conflitar com nossa sombra e assim podemos eliminar ela, ou seja, somente quando paramos para observar e analisar nossos egos, nossos defeitos e tropeços, que são representados por este diabo interior, é que conseguimos de fato eliminar ele (com a ajuda dos 3 Fatores). Fazer as pazes com o diabo é para de conflitar com o mundo à nossa volta e em última análise, deixar de conflitar com nós mesmos. A sombra precisa ser eliminada sob a luz da Consciência para que se reintegra à ela.

Para encerrar, deixo um trecho contido nos estudos do livro Ancestralidade, Tomos I e II, para que os estudante possa estudar o Mito do Herói nesta e em outras história mitológicas e que nos remetem ao Drama Cósmico do Cristo.
“Inicialmente, vemos o personagem em seu habitat comum, em meio as situações monótonas (repetitivas) de uma vida corriqueira. Até que em dado momento algo novo surge no cenário, algo que tira este indivíduo de seu estado de inércia e o convoca para galgar outra condição: a de Herói.
No início ele resiste, não se acha preparado ou merecedor de tal posto, tem medos, receios e desconfianças do próprio poder e em algumas vezes recusa tal papel, até que ao deparar-se com algo Superior, seja um Mestre ou um contato com o Divino, compreende a importância de seu trabalho, então se embrenha na Jornada, despindo-se e desapegando-se do mundo em que vivia para abraçar de vez os desafios que o aguardam.
Ao longo desta Jornada, o Herói depara-se com amigos/aliados, inimigos, traidores, derrotas e vitórias. Passa por inúmeras provações, sendo que em uma delas quase perde a vida. Então, após muitos padecimentos, conquista a vitória e retorna para Casa. Olhemos para esta Casa como a sua residência ou o retorno para o Divino, para Deus. Em síntese, este é o Mito do Herói.”
Texto inspirado nas seguintes obras:
Rei Arthur: a Lenda da Espada;
Ancestralidade: o Micro e o Macro – Tomo 1;
Ancestralidade: religiões, Mitologias e Símbolos – Tomo 2.
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