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O MISTÉRIO DO PERDÃO À LUZ DA GNOSE

Imagem religiosa com um coração sagrado cercado de raios de luz dourados, uma cruz na parte superior e inscrições em português, representando a devoção católica.

Ao longo desta caminhada já estudei diversos temas, adentrei em muitas teorias e tive a oportunidade de conhecer inúmeras escolas, religiões e linhas de pensamento das mais distintas possíveis. No entanto, depois de muito tempo e de muitos tropeços, cheguei à conclusão de que somente a teoria não traz a transformação interna que tanto almejamos. Ao contrário, por muitas vezes, ela acaba por nos estagnar.


Surge então a pergunta: se não podemos chegar ao conhecimento pelas vias do estudo de livros, das doutrinas e das teorias intelectuais, como poderemos aprender realmente o caminho autêntico e a verdadeira face dos ensinamentos?


Então, é justamente esta pergunta que me fiz e compreendi que nada é em vão. Todos os ensinamentos são validos, desde que colocados em prática. Somente fazendo ciência de nós mesmos através da auto-observação, do silêncio interior e do trabalho diário, é que chegaremos à verdadeira compreensão.


É necessário “colocar a mão na massa”, como diz o ditado popular, pois a natureza não dá saltos, cada dia traz seu labor e sua colheita. Assim, pouco a pouco, vamos extraindo o néctar o sumo da experiência e saboreando o verdadeiro conteúdo dos estudos, compreendendo que o entendimento meramente intelectual é insuficiente e não alcança a autorrealização do Intima do Ser.


E dentre os inúmeros temas estudados ao longo destes anos, um que me chamou bastante a atenção foi o Perdão. Este, confesso, foi um dos mais difíceis de colocar em prática, pois sua compreensão requer um olhar profundo, capaz de descer até os porões mais profundos de nosso subconsciente, porões totalmente sombrios, obscuros e gélidos, onde reina a completa perversidade e ignorância.


E foi justamente quando me deparei com estes porões internos, os quarenta e nove níveis do subconsciente, que pude experimentar, na prática, o que realmente significa o verdadeiro perdão.


O perdão é amplamente difundido nos meios religiosos e esotéricos, sendo um dos temas centrais do cristianismo. Contudo, também é um dos mais mal compreendidos pela humanidade.


Teoricamente, é fácil estudar e falar sobre perdão. Mais fácil ainda é praticar um perdão superficial, como aquele propagado nas redes sociais ou nos livros que abundam em nossa época. Para muitos, o perdão tornou-se um modismo, um discurso repetido sem raiz profunda. Todos falam de perdão, todos inventam belas palavras acerca dele, mas será que realmente sabemos o que é perdoar?


Somente através da ciência de mim mesmo, aplicando a teoria e os ensinamentos gnósticos à minha própria vida, pude compreender que perdoar não é simplesmente esquecer uma ofensa ou justificar o erro alheio. O perdão verdadeiro é um processo interno, profundo e transformador, que toca diretamente a essência, fazendo com que deixemos de existir para realmente SER.


O perdão é um ato de libertação. A liberdade que tantos buscam está, e sempre esteve, em nossas próprias mãos. Para alcançá-la, é preciso olhar para o mundo com sinceridade e compreender que tudo o que nos acontece é consequência de nossas próprias ações equivocadas. Sendo, assim, o primeiro passo é aceitar o retorno que a vida nos traz, mesmo quando, à primeira vista, ele pareça injusto, desproporcional ou sem razão aparente.


Mas, na verdade, todo retorno é apenas a reação natural das causas que nós mesmos colocamos em movimento. Quando aceitamos isso com humildade e consciência, o coração se abre para o perdão, não apenas para com os outros, mas, sobretudo, para conosco, pois a lei do retorno existe para que possamos aprender e ver que tudo que ocorre parte e finaliza em nós, aqui e agora.


Muitos dizem que a lei do retorno não falha, e com certeza isso é verídico. O que, porém, não compreendemos, é que tudo que está chegando até nós, já é a própria lei do retorno acontecendo. E o que fazemos quando isto ocorre? Pedimos justiça, clamamos para que os nossos devedores ou ofensores sejam punidos. No entanto, a justiça já está acontecendo, e não nos damos conta. Quando passamos a entender e vivenciar esta lei, começamos a perdoar os pecados cometidos no passado e, automaticamente, perdoamos também os pecadores que chegaram até nós trazendo o retorno de nossas próprias ações inconscientes. É o passado fazendo as pazes com o presente e desenhando um novo futuro livre da mecanicidade do destino.


Precisamos compreender, de uma vez por todas, que o único responsável por tudo o que acontece em nossa vida somos nós mesmos. Nada ocorre ao acaso, tudo é recorrente e fruto de nossas próprias ações inconscientes. Portanto, sempre fomos e seremos os artífices de nosso destino.


Quando essa verdade é reconhecida, deixamos de buscar culpados fora de nós e passamos a enxergar a vida como um espelho de nosso próprio inconsciente, refletindo com precisão onde, o que, quem e por que devemos perdoar.


Ao perdoar nossas ações passadas, iluminamos as sombras da inconsciência e abrimos o caminho para uma verdadeira regeneração interior, onde a culpa se dissolve na sabedoria e a dor se transforma em compreensão.


Quando não perdoamos, permanecemos acorrentados ao ressentimento e à vingança, prisioneiros de nossa própria mente. A cada pensamento e emoção, reforçamos as grades dessa prisão invisível e continuamos a beber, inconscientemente, do veneno que nós mesmos destilamos.


O perdão, então, não é um favor concedido ao outrem, mas um ato de libertação interior, é a dissolução das correntes psíquicas que nos atam ao passado e obscurecem a luz de nossa consciência.


Mas, qual a dificuldade em perdoar? A grande dificuldade nasce de nossos apegos egoicos, pois, enquanto não tivermos uma regência orquestrada por nossa consciência, quem define e toma as decisões são os nossos egos, sempre baseados em seus gostos e desgostos, empenhados em defender, com unhas e dentes, suas mais fúteis vaidades. Eles agem à mercê de suas vontades, desejos e caprichos, tomando como referência as sensações provenientes dos cinco sentidos. Quando se sentem ameaçados, ressentidos, magoados, caluniados ou injustiçados, por suas próprias ações, buscam fazer justiça a seu modo e não aceitam levar desaforo para casa. É isso que nos aprisiona, que dificulta o perdão e nos mantém atados às nossas próprias limitações e à falta de compreensão.


Nossos egos caprichosos e vaidosos não aceitam o retorno de suas más ações e agem de forma a alimentar a roda incessante de repetições. Não toleram humilhações e exigem revanche o tempo todo, permitindo que o orgulho, a vaidade e os caprichos falem por nós. São incapazes de enxergar um palmo à frente de sua própria face, vivem encerrados em seu pequeno mundo, completamente adormecidos. A ira clama por vingança, o amor próprio não suporta ser diminuído, a mente repete a cena e a emoção nos aprisiona.


Perdoar é difícil porque implica reconhecer nossos próprios defeitos, e poucos estão dispostos a isso. Tal reconhecimento exige auto-observação profunda, entendimento, compreensão e a eliminação do infrator que vive dentro de nós mesmos. Recordemos que o externo é apenas o reflexo do que ainda precisamos trabalhar internamente.


Enquanto alimentarmos a ofensa e nos recusarmos a morrer psicologicamente, jamais teremos maturidade suficiente para perdoar. Enquanto o ego viver, não haverá liberdade e viveremos escravizados pela mente.


Cada ofensa desperta legiões internas, guardiãs da nossa autoimagem, a qual não se rendem sem lutar. Por isso, perdoar é, acima de tudo, uma batalha silenciosa e profunda contra nós mesmos, uma guerra interna em busca da libertação da alma.


Quando vencemos a dificuldade de perdoar e compreendemos que o perdão ocorre dentro de nós mesmos, percebemos que aquilo que precisamos perdoar não é nada além dos nossos próprios erros, erros que retornam incessantemente em busca de solução, clamando por atenção e compreensão. São como o filho pródigo que, arrependido, retorna ao seio do criador para reintegrar-se ao Pai. Nesse instante, encontramos a verdadeira resposta sobre o que e quem devemos perdoar.


As pessoas são apenas reflexos, espelhos vivos que nos trazem as consequências de tudo o que fizemos, recordando-nos das dores e desconfortos que causamos em incontáveis existências, quando, adormecidos, sem consciência, semeamos tudo aquilo que hoje estamos colhendo.


Muitas vezes, culpamo-nos pelos erros do passado e permanecemos aprisionados na autopunição. Perdoar é libertar-se das amarras emocionais que mantêm viva a dor, é cessar o lamento e o castigo que impomos a nós mesmos pelos equívocos de outrora.


Precisamos libertar-nos da tirania das lembranças e desfazer as correntes que nos prendem ao mundo da ilusão e do sofrimento.


E quantas vezes devemos perdoar? Está foi uma das perguntas feitas pelo discípulo Pedro ao Mestre Jesus (Mateus 18: 21-22), onde lemos:

²¹ Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? " ²² Jesus respondeu: "Eu lhe digo: não até sete, mas até setenta vezes sete”.

Não é possível interpretar algo tão profundo de forma literal, pois a palavra do Cristo Jesus está sempre impregnada de sabedoria divina e contém sete níveis de compreensão. Assim, cada estudante alcança determinado grau de compreensão conforme o seu próprio nível de consciência, devendo manter-se sempre disposto a aprofundar seus estudos e práticas para penetrar na verdade oculta expressa nas parábolas.


À luz da Gnose, compreendemos que, ao mencionar “setenta vezes sete”, o Mestre Jesus não se referia a um número, mas a uma profundidade de trabalho interior. Ele falava em linguagem cabalística. Setenta vezes sete é igual a 490, o que, cabalisticamente reduzido, resulta em 49, uma clara alusão aos quarenta e nove níveis subconscientes da mente, os quarenta e nove porões onde se ocultam nossos múltiplos agregados psicológicos.


O Cristo nos ensina, portanto, que o verdadeiro perdão não é um simples ato moral, mas um processo de purificação profunda, que exige descer aos abismos da própria psique para eliminar, desde a raiz, as causas ocultas do ressentimento, do orgulho e da dor. Somente ao iluminar esses recantos escuros do inconsciente podemos alcançar o perdão autêntico — o Per-Adão, isto é, o retorno ao estado original, ao Gênesis interior, ao primeiro homem, à causa primordial.


Nessa parábola, o mestre nos indica que o perdão não é um gesto isolado, mas um trabalho constante de autotransformação. Devemos permitir que o perdão penetre em cada recanto, limpando camada por camada, até que a pureza da essência resplandeça em sua totalidade. Assim, ao dissolver as trevas interiores, despertamos a consciência divina contida em cada átomo do ser, até que nada reste da escuridão, e somente a luz do amor consciente brilhe em nós.


Compreendendo este processo, passamos a colocar em prática o ato de perdoar. O primeiro passo é a auto-observação, aprender a identificar o pensamento ofensor e antiperdão, isto é, as forças psíquicas que se opõem ao perdão.


Quando notamos a ira, o rancor ou a mágoa surgindo, não devemos reprimi-los, mas estudá-los e compreendê-los. É necessário meditar sobre a ofensa, compreender o “eu” que sofre e suplicar à Mãe Divina que o desintegre. Este é o autêntico ato de perdoar.


Uma vez compreendido e eliminado o ego, o ressentimento se dissolve, e em seu lugar nascem a serenidade, a humildade e a liberdade.


Ao perceber o veneno do ressentimento, devemos contemplá-lo sem justificativas, sem fuga, com maturidade emocional e clareza racional.


Entender a origem dos problemas e refletir profundamente sobre o ocorrido são passos essenciais para alcançar o perdão.


Essa prática transforma e muda toda a nossa vida, pois ao perdoarmos os nossos pecados vamos reconstruindo pouco a pouco a nossa alma, libertando as energias outrora aprisionadas no rancor, nas mágoas e no ódio. Essas energias, antes estagnadas, voltam a fluir livremente pelo coração, de maneira tranquila e serena.

À medida que o coração se purifica, surge a possibilidade de despertar o amor verdadeiro, amor este que não exige, não cobra e não condena.


Essa mudança traz saúde, paz e leveza ao corpo e à mente. As correntes se rompem, e a energia vital volta a circular, revitalizando todo o nosso organismo. O perdão, então, deixa de ser apenas um conceito moral e se torna um ato de libertação. Mas lembremo-nos de que perdoar não é esquecer, e sim compreender, e só compreende aquele que se auto-observa, medita, investiga e morre em si mesmo.


Quando assalta a lembrança da ofensa sem gerar dor, ira ou ressentimento, é que realmente teremos a certeza de que o perdão foi concluído. A cena pode então ser recordada sem sofrimento, passando a ser vista apenas como uma experiência da vida. O coração permanece em paz, e a compaixão se torna natural.


Recordar a ofensa sem inflamar a ferida já curada é sinal de libertação, pois quando o nome do ofensor já não provoca tempestade emocional, e em lugar da dor brota a serenidade, então sabemos que o perdão foi consumado.


Esse processo ocorre dentro de cada um que se dispõe a olhar para si mesmo e a colocar-se no lugar do outro, compreendendo que tudo começa dentro de nós e só pode terminar retornando à origem.


Toda derivação, todo desvio, precisa ser integrado e purificado, pois somente assim nos tornamos seres humanos íntegros e puros de coração.


É somente nesse estado de consciência desperta que se torna possível compreender a sublime frase de Jesus o Cristo:

“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.” (Lucas 23:34)
Imagem de uma cruz com Jesus Cristo crucificado, simbolizando fé e religiosidade cristã, com céu e luz divina ao fundo. Cenário celestial e espiritual.

Sidnei Sérgio Maciel

 
 
 

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